domingo, 12 de fevereiro de 2012

• A poesia e o nosso povo

Anteontem fui surpreendido e tocado pela invulgar beleza da sabedoria popular de António Aleixo.

Um ser humano raro, que faz-me o favor de ser uma amiga minha no facebook, partilhou no seu mural, como soe fazer quotidianamente, um pequeno texto. No caso uma quadra deste poeta algumas vezes negligentemente ignorado. Que reza assim:

"Não te beijo e tenho ensejo 
de um beijo te roubar.
O beijo mata o desejo
e eu quero-te desejar."

A leitura destas linhas tão simples porém tão sublimes ecoou na minha memória durante a jornada inteira. Ó quadra tão sagaz e vera, saída da mente de um homem genuino do povo que, dizem, nem soube bem as letras enquanto viveu.

Pela grandeza da sua humilde alma, de cada vez que eram por mim reavivadas estas palavras de ouro em surdina, em meio às gentes da urbe de Ulisses com quem me cruzava, uma sacana duma lágrima teimosa escapava-se-me.

Quem estiver a ler esta confissão, cuidará que caminho pela vida tristemente. E no entanto sou feliz.

Feliz porque ainda choro com estas coisas. Porque ainda sou muito sensível ao belo imortalizado por quem me ensina tanto. Porque ainda não estou empedernido. E porque isto me basta para ser feliz.

Por ser assim como sou, e sustentado ultimamente até por uma tranquilidade inbalável, creio que isto faz de mim também um ser belo e digno de ser amado. E ainda hei-de sê-lo. Ou sou-o já hoje, de facto.

Recebo muito carinho, que me chega nas horas mais inesperadas, bem como nas mais necessitadas, de várias proveniências. De umas encantadoras amizades, que fui ganhando neste último ano de uma repentina solidão.

Ah, mas quem dera voltar um dia a beijar! 

A beijar áquela a quem o beijo jamais matou o desejo, antes o reforça. Beijar, agora que quero mesmo merecer o beijo seu.

Ou, se for esse o meu fado, e assim os deuses designarem, a não beijar mas abraçar esse meio mundo que me busca. E ao buscar-me, me mantém vivo e radiante. E me faz ser bom.
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O poeta António Aleixo nasceu no dia 18 de Fevereiro de 1899, em Vila Real de Santo António, filho de José Fernandes Aleixo, tecelão de profissão, e de Isabel Maria Casimiro, doméstica, naturais seu pai de Loulé e sua mãe de Vila Real de Santo António.

Acessoriamente a ser um poeta popular, da história da sua vida de homem simples, ficou sobretudo conhecido António Aleixo por ter sido cauteleiro e vendedor de gravatas nas ruas de Loulé, cidade onde viveu a maior parte dos seus anos. Diz-se que também foi guardador de rebanhos, bem como cantor popular de feira em feira. Menos referidos sobre ele foram os factos de ter sido polícia, em Faro, e servente de pedreiro, emigrado em França.

Depois de já ter aqui neste blog mencionado um outro vate, Fernando Caldeira, agora com este lembrar a António Aleixo, figura que estará no espectro social bem apartado do primeiro, que pensar senão que este é de facto um país onde todos temos a poesia no nosso código genético comum?...

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