quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

• Eu, hoje


Eu em toda esta minha actual vida até aqui vivida procurei sempre fugir da solidão. Mas, com a minha curta ou ingrata memória, creio que nunca me senti verdadeiramente acompanhado. E também nunca fui o melhor companheiro que poderia ser para quem quer que comigo se tenha cruzado…

Não há amor como o primeiro, dizem… Pois esse foi coisa que me proporcionou um só dia de felicidade, há muito tempo atrás. E talvez tenha condicionado toda a minha futura vida amorosa desde que esse dia aconteceu.

Tinha eu 13 aninhos. Era um domingo de primavera á tarde. Em minha casa os convidados para o almoço do costume todo o santo dia do Senhor estavam a conviver à roda da mesa farta que a senhora minha mãe gostava de compor com travessas mil. O repasto havia findado e os adultos pareciam refastelados. Mas como é mister dizer-se, os portugueses gostam de envelhecer à mesa. E ali se quedavam todos na palheta.

Eu senti uma súbita vontade de me evadir daquele ambiente. Como se fosse doutro planeta. E fui prostrar-me ao sol, encavalitado no topo dum muro, a apenas umas dezenas de metros do meu lar, doce lar.

Ali fiquei meditando com a minha consciência, sob o tema habitual em mim: “Is this all there is?…”. A vida será apenas isto?…

E assim estava quietinho, havia prái uma meia hora, quando sou surpreendido por um anjo que resolve se juntar a mim em cima do muro.

Que tinha estado a observar-me. Que quis vir ter comigo. Que queria saber o que eu fazia ali sozinho.

E eu comecei a desenrolar o meu novelo para ela. Que tinha escapulido um pouco da minha realidade para vir para ali estar a sós com o meu pensamento. Mas já que ela tinha querido provar da valia da minha companhia, já não queria estar mais isolado do resto do mundo.

Nunca entendi a sua curiosidade sobre mim, um simples rapazito. E porque estava a ser gentil comigo. Mas gentileza gera gentileza. E eu senti o impulso quase imediato de trocar com ela o meu interior.

Dialogámos durante a tarde inteira, tendo saído daquele muro e vagueando sem rumo pelas ruas do meu bairro. Fomos interpelados por um senhor que me conhecia. Que vendo o clima de entrosamento perguntou se ela era a minha namorada.

Foi só aí que me toquei. Não, ela não era. Eu nem sabia o nome dela. E nem nunca o soube. Não a questionei. Só falei sobre mim. E o interesse dela sobre mim induziu o meu interesse crescente nela. 

Se eu estivesse á procura de uma namorada, eu não quereria nada diferente do que ela estava sendo comigo.

Ela se quis despedir de mim - de nós - quando se deu conta das horas terem passado velozes. Que a sua família devia já estar preocupada com a sua ausência. E nem um beijinho demos.

Supus aquela tardinha um convívio de duas almas semelhantes tão prazeiroso que havíamos de o desejar repetir ambos. E esperei por ela em domingos que se seguiram em cima daquele bendito muro. Mas ela não veio. Nunca mais.

Nestes últimos dias tenho reflectido sobre este anjo. O que será dela hoje em dia? Foi ela real? Ou foi só uma alucinação? Mas se outros a viram comigo… Terá talvez reincarnado em alguém que eu tenha conhecido nos últimos tempos e que também goste de mim?… 

Irão alguma vez estas palavras que aqui vão ficar gravadas chegar até ela ou a sua alma?…

O facto é que ela fez com que no amor eu quase nunca me tenha apetecido empreender o esforço de seduzir. Acreditei que teria apenas de ser eu e deixar que a minha aura fizesse esse trabalho por mim. E depois, era só deixar-me seduzir por quem a minha atenção prendesse com mais entusiasmo.

Não aprendi assim a ser um sedutor. Não sei seduzir. Vaidosamente fui crendo que eu devia mesmo ser a oitava maravilha do mundo.

Até que o pano caiu quando soube o que é ser rejeitado por aquela que eu acreditei seria minha até ao fim dos meus dias. Quando esta tirou a máscara que usou durante nove anos.

Hoje parei de julgar que entre mim e o amor poderá alguma vez mais haver o que quer que seja. E digo mais! Não é por falta de manifestações de carinho, que o recebo todos os santos dias...

Já me resignei a encarar a grande probabilidade de terminar esta vida actual sozinho. E não há grande mal nisso, julgo eu.

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